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Dylan Ricardo | Acervo Pessoal | Divulgação |
E o nosso papo de hoje é com quem entende de sentimentos. Dylan Ricardo nasceu em Recife — gentílico Recifense — e recentemente lançou seu primeiro livro, intitulado "Do Inferno", através da editora Cultura em letras Edições, do editor Occelo Oliver. Dylan abre-nos as portas de seu coração e escancara para o mundo a sua visão acerca da poesia, do mercado editorial brasileiro e claro, fala-nos um pouco mais sobre seu mais novo lançamento. O livro já foi avaliado pela nossa linha editorial e obteve nota máxima na avaliação. Você pode ler nossa resenha clicando aqui.
Confira a entrevista:
01. CS — Olá Dylan. Primeiramente gostaria de dizer que é um
imenso prazer tê-lo conosco novamente, e mais prazeroso ainda, ter tido o
prazer de ler seu mais recente trabalho " Do
Inferno". Antes de iniciarmos, gostaríamos que fizesse uma apresentação
breve de sua pessoa e sua obra mais recente para que nossos leitores possam
conhecê-melhor.
O prazer é todo meu, sem dúvida. Agradeço a oportunidade de
poder expor minhas dores escritas. Farei o enorme esforço de falar um pouco
sobre mim, pois, acho-me o assunto mais enfadonho que conheço. Serei realmente
breve para que você não perca leitores. Nasci em Recife sou filho de um maestro
violinista e de uma violoncelista. Ter contato com a música erudita foi,
digamos, a primeira porta para minha entrada no mundo cultural. Meu pai gostava
muito de ler e tinha uma pequena biblioteca em casa. O gosto pela leitura começou
cedo, mas escrever só anos depois. Eu não saberia especificar quando o gatilho
foi disparado. Foi algo gradativo que fortaleceu-se com o tempo a partir de uma
forte necessidade de exteriorizar dores adquiridas ao longo da existência. Tive
várias infaustas e involuntárias oportunidades de passar por situações trágicas
na vida, e isso serviu de material para os poemas.
Esse livro é, não apenas um diário de episódios, mas uma
exposição de desejos. Ele nasceu de sentimentos transbordados que me
assombravam pelas madrugadas. Eu senti que não poderia guardar tudo o que
passei só para mim, eu queria deixar um registro, como uma prova de que algum
dia existi.
O que eu vi, ouvi e senti.
02. CS — "Do Inferno", é um livro do gênero
poesia. Na sua experiência como autor, você acha que o cenário literário
brasileiro carece de referências na poesia? O que você acha que gera essa
problemática? A dificuldade em expressar-se ou o senso comum que muitos tem de
que "poesia não vende"?
Sinceramente, não tenho experiência como autor. O que posso
lhe relatar são minhas impressões com relação ao fator gerador da pergunta. O
que mais existe no cenário brasileiro são referências, mas o que menos existe
são informações sobre elas. Essa problemática é gerada por uma absoluta falta
de interesse do Estado pela cultura do país.
Que jovem conhece Cruz e Sousa, Casimiro de Abreu, Gonçalves de
Magalhães, ou Menezes e Albuquerque? Você conta nos dedos quem leu Álvares de
Azevedo ou Augusto dos Anjos. Referências existem, mas não o interesse derivado
de informações que levem a curiosidade. Existe muita gente de talento, eu mesmo
conheço grandes escritores, mas absolutamente sem oportunidade de expor a sua
arte. Quanto a poesia não vender, devemos nos conscientizar de que ela é a
linguagem da essência e não pode ser tratada de forma comercial. Muitas
editoras precisam adquirir essa consciência. Poesia em chinês é Shi, que
significa linguagem do coração. É exatamente
de onde sai a minha, do coração do meu cérebro. Sentimentos não têm preço.
03. CS — Como a poesia surgiu em sua vida? E claro, como
surgem seus poemas?
A poesia surgiu gradativamente. Na verdade, até poucos anos
eu não era um grande leitor de poesia. Quando comecei a escrever não lia nada.
Pois tinha o medo infundado de me deixar influenciar e até plagiar
inconscientemente algum autor. Consegui escrever muito assim, mas, depois que
comecei a ler, e adquiri um gosto quase patológico não só pelas poesias mas
pela literatura de uma forma geral, percebi que só me inspiraria, geraria ideias
novas e sentimentos profundos. Descobri com a leitura que a inspiração não
nasceria apenas de experiências pessoais, mas da vivencia de outras pessoas.
A poesia surge, como já falei, da necessidade de externar
uma dor entranhada. Fatos que ocorreram e que ainda estão engasgados. Pesadelos
que me despertam de madrugada, reflexões que me assaltam durante o dia nas
horas mais impróprias. Tudo o que sofremos fica guardado, por mais que se diga
que foi superado há uma gaveta onde todas as amarguras torturantes são
empilhadas. E lá permanecem socadas de qualquer jeito, sem organização, pois,
quando emergem, é ao mesmo tempo. Eu não
escondo, deixo essa gaveta aberta e dela vou tirando material.
04. CS — "Do Inferno" é um livro extremamente
complexo, onde podemos notar o quão profunda são suas descrições com relações
aos sentimentos e acontecimentos contemporâneos. Os poemas são extremamente
reflexivos e chamativos, possuindo títulos realmente avassaladores, tais como
"Luto", "A dor do amanhã" e "Abstrato". Seus
manuscritos são frutos de sua vivência diária ou de seus pensamentos?
Dos dois. Quase 100% dos fatos narrados foram vividos, a
pequena porcentagem que não foi experimentada, é temida e aguardada. Desta,
escrevo a respeito até como uma forma de amortecer o que se avizinha e
mostra-se como algo vindouro, inevitável.
Esse livro é quase como uma seção com um psicólogo. Falo do que foi
vivido e do que experiencio mentalmente.
Como Dante que vagueia pelo inferno guiado por Virgílio, perambulo
pelas páginas tropeçando em recordações e tentando expô-las de uma forma
poética e compreensível.
05. CS — A morte é um assunto constante em seus poemas. A
decisão de chamar à atenção dos leitores para um assunto tão forte como este é
mais literária ou reflexiva?
Eu tenho uma relação particular com a morte. É até um
pleonasmo fazer essa afirmação, já que cada um tem a sua. A minha consciência
de transitoriedade é muito profunda. Muitas pessoas vivem como se não fossem
morrer, esquecem que esse futuro acontecimento dar-se-á inevitavelmente. Eu não
me esqueço disso em nenhum momento.
Já perdi muitas pessoas próximas, e isso fortaleceu minha
consciência pra o fato de que só a morte é eterna. Não utilizo esse assunto em meus poemas
apenas como algo literário, como uma forma de construir tecnicamente uma ideia
ou dar sentido a um texto, se fosse dessa maneira, seria um escrito automático
e não carregado de sentimentos. Eu tento dar uma roupagem literária a uma
reflexão. Mas, antes de ser uma reflexão que proponho à todos, é uma reflexão
que proponho a mim.
06. CS — Por que optou por chamar seu novo livro de "Do
Inferno" ? Qual a mensagem central explícita em sua obra?
Do inferno do ser. Do inferno do sentir. Do inferno das
reflexões. Do âmago de tudo o que borbulha quente dentro do crânio, como
sentimentos que não dão descanso a consciência. Arrependimentos, culpas,
revoltas, angústias que adormecem o sono e despertam a insônia. Esse inferno é
o das emoções conflituosas, é o das palpitações causadas por uma recordação que
surge quando menos se espera. É o inferno daquela lágrima que desabrocha tímida
quando chega-nos alguma canção que nos remete a determinadas memórias
dolorosas.
A mensagem explícita, creio, é a de que sou uma pessoa
extremamente perturbada e a implícita é a de que você (no sentido de todos)
pode também ser, caso se dê ao trabalho de mergulhar no seu próprio inferno.
Como eu faço diariamente.
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"Do Inferno" | Dylan Ricardo | Divulgação |
07. CS — Prentende lançar outros livros dentro do gênero
poesia? O que poderemos esperar futuramente?
Sim, há muitos ainda, tenho dez praticamente prontos, e têm
me surgido ideias de contos e peças para teatro. Quanto a isso veremos no
futuro, mas pelo que tudo indica, promete. O que sei é que minha área é
realmente a poesia. É através dela que consigo expressar o que normalmente me
trava na garganta por estar agrilhoado no peito. Em resumo, novos livros
surgirão, é inevitável, tenho muito a dizer.
08. CS — O que você acha do cenário literário brasileiro dos
dias atuais? Você teve algum receio ou impedimento ao optar em publicar uma
obra poética?
O cenário é trágico. Quem deve ser lido não é, e quem
jamais deveria ter publicado um livro é campeão de vendas. Pessoas arrogantes
que possuem ideias fictícias acerca de suas próprias capacidades intelectuais,
tornam-se sumidades entre os ignorantes. Paciência, assim caminha a humanidade.
Olhe, receio em publicar, nenhum, impedimento só o
econômico. Infelizmente não são todos com inspiração que podem publicar um
livro. Existe muita gente que nada tem a dizer, mas que está com e mídia nas
mãos e por isso possui todas as chances de ter sua dispensável obra publicada e
distribuída.
Muitas pessoas colocam o dinheiro antes da arte, eu não
consigo fazer isso, jamais conseguirei. Posso ser um idealista, sonhador, mas
essa é minha natureza. Eu quero ser lido, não quero ficar rico vendendo livros.
09. CS — De todos os poemas desta obra. Qual a que te tocou
mais ao escrever? Por quê?
Muito difícil responder a essa pergunta. Todos têm sua
particularidade. São como filhos que pari serenamente ou à fórceps. Mas,
independente da forma que foram gerados todos possuem sua dor específica. Falo
sobre amores que não deram certo, sobre o desalento que causa a rotina, sobre a
morte de pessoas que amei, sobre a revolta que causa ceder um sentimento puro,
mas tê-lo pisoteado, e muitas outras coisas. São fatos que ocorrem com todos, e
comigo não foi diferente.
Frequentemente choro enquanto escrevo, ou depois que leio o
que escrevi, pois são assuntos que insistem em permanecer como cortes não
fechados.
Não saberei responder a sua pergunta de forma específica.
Vou ficar devendo.
Acho até que sou repetitivo. Escrevo sobre os mesmos
assuntos, mas de forma diferente. E até falo disso em um poema.
“Eu plagio a minha dor em frases repetidas.
Eu imito cada insônia nas noites mal dormidas.
As mesmas coisas, da mesma forma eu sempre cito.
E já é uma repetição dizer que eu me repito.”
10. CS — Agora para finalizar, deixe uma mensagem para todos
aqueles que querem aventurar-se no mundo dos sentimentos e poetizar expondo
tudo o que estão sentindo no papel. Que mensagem você tem para dizer a estas
pessoas?
Leia, leia e leia.
Meu pai dizia, “Só sabe escrever, quem lê”. Nem todo sentimento escrito é
poema, é necessário técnica que só vem com leitura. E não leia só poesias,
mergulhe na literatura, redescubra José de Alencar e Camilo Castelo Branco.
Leia as peças de Martins Pena e de Oscar Wilde. Leia os contos de Guy de
Maupassant e Allan Poe. Leia Tchékhov, Gogol, Tolstoi, Dostoievski. Leia de
tudo.
Mas a poesia não se faz só com técnica. Poesia bem
construída e sem sentimento é como um defunto maquiado. Viva a vida,
experimente, sofra, sinta, mergulhe na existência. Assim você vai escrever, se
souber decodificar os sentimentos, mas, saiba que terá um preço.
E se for publicar, escolha uma editora que não pense apenas
na parte financeira. Eu tive muita sorte em ter descoberto a minha editora, ela
realmente “compra a briga”. Sem falar
que o editor é de uma sensibilidade absoluta.