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Rafael Nolli | Facebook | Divulgação |
Rafael Nolli (37), nasceu em Araxá e consolidou-se como escritor. Publicou "Memórias à Beira de um Estopim" (JAR Editora, 2005), "Elefante" (Coletivo Anfisbena, 2012) e Gertrude Sabe Tudo (Gulliver, 2016).
Paraíso
muito
além das plantações de agrotóxicos
esquecido
depois da derradeira ponte
do
último homem que por ali passou
não
resta o menor vestígio
o
que ele viu – há tantos anos atrás –
é o
mesmo que um satélite vê agora
da
imensidão do cosmo
nenhum
dos dois sequer suspeitou
onde
hoje a árvore produz sombra
o
prédio da prefeitura se erguerá
o
rio prateado pelo sol escorrerá
sinistro
& pesado, dentro de uma galeria
pouco
depois da colina
um
sinal de trânsito determinará o fluxo
para
o que agora é vale & vento
sobre
esse chão as pessoas
conhecerão
fome & sede
e
lutarão até as últimas forças
onde
hoje prospera a grama miúda
a
estátua de um boçal apontará o dedo
para
a imensidão do espaço sideral
Ars
poetica
Não
tenho voz de queixa pessoal, não sou
um
homem destroçado vagueando na praia.
Drummond
por
certo não sou digno da poesia
é o
que se comenta
nos
pequenos círculos
não
comi a flor de lótus
tampouco
sai às ruas chapado de rivotril
também
disso estou certo
–
eles o dizem, por que duvidar –
não
evitei o amor
essa grande balela
sequer
morri de tuberculose
(nos
corredores de uma biblioteca)
é o
que se comenta
quem
sou eu para duvidar
não
me matei (ou matei alguém)
pelas
palavras – ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência a vossa,
etc & tal –
muito
menos tive a Grande Visão
não
vendi armas ao rei da Abissínia
ou
cruzei o país
–
vagabundo em um vagão –
no
encalço do Sublime[1]
Comédia
I - Inferno
Nenhuma
pista ou clareira
para
tentar a aterrissagem
ademais
o
trem de pouso emperrado
Retornar
ao lar
– oh
estações oh castelos! –
&
ninguém ter dado pela sua falta
II -
Purgatório
A TV
ligada para ninguém
– em
consultórios de ortopedistas –
o
cheiro do tédio das atendentes
&
o clamor dos telefones
A
fila de mulheres pensativas
–
nos pronto-socorros –
as
crianças tossindo em seus colos
o
senhor debruçado sobre as rugas
A
ante-sala dos CTI’s
as
antecâmaras das policlínicas
os
azulejos brancos
o
ventilador de teto
nas
salas de espera dos centros de radiologia
&
nos demais lugares onde a morte fareja
III
- Paraíso
Praticamente
nada a fazer senão para o pobre agente do Centro
de Controle de Pragas. A nuvem de veneno borrifada sobre as macieiras rouba
o brilho das asas dos anjos e embaça o aço de suas espadas. De manhã, o
batalhão de arcanjos em ordem unida treinando para a possível batalha. E é
sempre manhã, aonde quer que se vá. Longa manhã ensolarada. Os que leram estão
de acordo, é o mesmo paraíso descrito por Dante. Um saco!
Cidade
dos sonhos
1
Antes
do amanhecer
estarão
dominando a praça central
A
imensa cavalaria
pastando pelos jardins
arqueiros
posicionados
no alto dos telhados
a
infantaria & seus especialistas
dinamitando as pontes
Pé
ante pé, rua a rua,
as
posições sendo tomadas
uma
a uma
No
entanto
antes
que declarem o seu triunfo
um
golpe decisivo dissolve o inimigo:
abro
os olhos – acordar basta!
2
Um
dia a guerra estará perdida
e
o povo daquela cidade
que
só existe em meus sonhos
ficará
entregue a própria sorte
Um
dia
quando
eu não acordar mais
a
cidade se extinguirá
com
todos que por lá transitam
ou
eles migrarão para outros sonhos?
3
Quem
sabe, em fim, esse seja o dia definitivo em que terei que defendê-la de corpo
presente, com as próprias mãos...
4
Saberei
eu no sonho de quem?
L.
Rafael Nolli nasceu na cidade de Araxá,
MG, no ano de 1980. Professor de Geografia. Publicou Memórias à Beira
de um Estopim (JAR, 2005), Elefante
(Coletivo Anfisbena, 2013) e o infantojuvenil Gertrude Sabe Tudo (Gulliver,
2016).
rafaelnolli.blogspot.com
nolli@boll.com
Twitter: @nollirafael
Esquecer meus sentimentos domésticos. /
Minhas pequenas dores diárias – / que é a dor de todo mundo / e todo mundo a
pode descrever. // Para que o fazer/ se de nada alterará a roda do mundo – /
que passa sobre o corpo de todos / de forma indistinta? // Eu não fui à
floresta / comer o verme na carcaça dos pássaros. / Não sei o gosto da solidão
/ bebida entre as montanhas. // No encalço do sublime, eles diziam. / Você deve
ir no encalço do sublime! // Não fui.